Vidal Cavalcante durante a posse do Lula em 2003
Meu queridíssimo amigo.
Uma daquelas pessoas que se a gente não conhecesse ficaria faltando um pedaço.
Trabalhamos juntos na Folha, no Estadão, em projetos, sonhos, exposições e sua presença era um encantamento.
Veio do Ceará. Filho e neto de fotógrafos.
No início de 94 acalentamos a idéia de uma agência de fotografias Ondas 2.8 e ,nas suas férias, ele foi cobrir o Rio Jaguaribe para o nosso banco de imagens.
Em outro momento fiz a curadoria de seus trabalhos "Por ti América", no SESC Pompéia comemorando os 500 anos do descobrimento da América.
Entre tiros e festins ele visitou quase todos os países da América Latina
Viu e fotografou assasinatos.
Ternuras e torpezas.
Ternuras e torpezas.
No dia-a-dia futebol, política e beldades.
Festejou o cacho de bananas que nasceu no seu jardim.
A chegada de amigos cearenses, pernambucanos, paraenses...
Ele sempre tem motivos para celebrar a vida.
O Vidal é forte.
Ele vai superar este entroncamento.
Rio Jaguaribe
Demócrito Rocha
Rio Jaguaribe
Demócrito Rocha
O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta
por onde escorre
e se perde o sangue do Ceará
O mar não se tinge de vermelho
porque o sangue do Ceará
é azul ...
Todo plasma
toda essa hemoglobina
na sístole dos invernos
vai perder-se no mar.
Há milênios... desde que se rompeu a túnica das rochas
na explosão dos cataclismos
ou na erosão secular do calcário
do gnaisse
do quartzo
da sílica natural .
E a ruptura dos aneurismas dos açudes...
Quanto tempo perdido!
E o pobre doente — o Ceará — anemiado,
esquelético, pedinte e desnutrido —
a vasta rede capilar a queimar-se na soalheira —
é o gigante com a artéria aberta
resistindo e morrendo
resistindo e morrendo
resistindo e morrendo
morrendo e resistindo... (Foi a espada de um Deus que te feriu
a carótida
a ti — Fênix do Brasil.)
(E o teu cérebro ainda pensa
e o teu coração ainda pulsa
e o teu pulmão ainda respira
e o teu braço ainda constrói
e o teu pé ainda emigra
e ainda povoa).
As células mirradas do Ceará
- quando o céu lhe dá a injeção de soro dos
aguaceiros
as células mirradas do Ceará
intumescem o protoplasma
(como os seus capulhos de algodão)
e nucleiam-se de verde
— é a cromatina dos roçados no sertão...
(Ah! se ele alcançasse um coágulo de rocha)
E o sangue a correr pela artéria do rio Jaguaribe...
o Sangue a correr mal que é chegado aos ventrículos
das nascentes ... O sangue a correr e ninguém
o estanca...
Homens da pátria — ouvi:
— Salvai o Ceará!
Quem é o presidente da República?
Depressa uma pinça hemostática em Orós! Homens —
o Ceará está morrendo, está esvaindo-se em sangue ...
Ninguém o escuta, ninguém o escuta
e o gigante dobra a cabeça sobre o peito enorme,
e o gigante curva os joelhos no pó da terra calcinada,
e
— nos últimos arrancos — vai
morrendo e resistindo...
morrendo e resistindo...
morrendo e resistindo...
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