terça-feira, 23 de setembro de 2008

De Assis Brasil a Guajará Mirim - Parte 2

Casa do Tota

Fomos ver a extração de látex nas "estradas" de seringueiras próximas da casa do doutor da borracha. No início da noite choveu forte e jantamos na casa do Tota - a estrada de terra estava escorregando que nem quiabo. Tota é um líder na região. Extrativista antenado e bem humorado. Sua casa fica no caminho da capela da Santa Raimunda Alma do Bom Sucesso. Peruanos e brasileiros são seus devotos e fazem romaria para pagar os milagres recebidos. Tota me contou, durante a degustação de um café feito no fogão a lenha, naquela conversa de depois do jantar: “Vem gente do Perú pagar promessas”



Dormimos em redes na sala e na varanda da Escola Chico Mendes. O som da noite, depois da novela Pantanal, é o de uma filarmônica de insetos, sapos e aves noturnas. Nesta harmonia dormi e acordamos às 4 da manhã. Um rápido café de campanha. Em duas caminhonetes 4x4 fomos deslizando pela estrada até Assis Brasil. Um pen drive levava para as caixas músicas caipiras brasileiras e a Cumbia. Cúmbia é a musica típica da Colômbia. Surgiu nos guetos das grandes cidades colombianas.
Malas, mochilas, lap tops, tripé, câmeras e equipamento de transmissão de e-mails via satélite com conexão com a internet dividiam o espaço das carrocerias. Quem tinha este sistema de transmissão via satélite era o Joshoa, jornalista do Washington Post que, depois de ler e enviar seus e-mails, emprestava sua conexão para o Steffano mandar suas resenhas para o jornal Corriere della sera, na Itália.



Em algumas subidas e descidas a caminhonete era traçada e reduzida, mesmo assim balançávamos na pequena camada de lama da chuva. Nas carrocerias tinham bancos de madeira, tipo pau-de-arara e vinham assentados os jornalistas e o pessoal da WWF. Pela estrada encontramos uma família de índios que iam até Assis Brasil para – segundo o motorista, fazer pequenos roubos e coneguir alimentos. Claro que esta é uma visão reduzida da capacidade dos índios.
Novamente em Assis Brasil. No alvorecer daquela manhã azulada uma menina vinha pela rua trazendo num saco plástico os pães para o café da manhã. Alguns metros ao lado da pousada o Rio Acre faz a divisa do Brasil com o Peru.



Assis Brasil - AC


Camisinhas e Álcool.
Na beira da Estrada do Pacífico, perto de Xapuri foi construida a primeira usina de álcool feito de cana naquele Estado. Ainda em fase de testes. Estão chegando! Alguns quilômetros adiante a fábrica de preservativos Natex. Ambas, usina e fábrica, aguardam a homologação de alguns papéis como também os acertos e acordos políticos necessários para sua inauguração. No Aeroporto de Rio Branco embarcamos no mesmo avião monomotor com destino a Porto Velho-RO. Ricardo e Rosineide somaram ao nosso grupo. Rosineide (Neidinha) fez mestrado em Historia da Arte em Campinas. Votou pra Rondônia para trabalhar na FUNAI com os índios isolados para desconfiança e descrença dos marmanjos que achavam que aquela atividade era só para homens. Descontente com oscaminhos da FUNAI fezdenuncias e foi demitida. Ricardo é um nervoso defensor da floresta. O monomotor nos esperava no aeroporto sem janela e porta. Fui sentado e amarrado pelo cinto de cintura e do toráx. De vez em quando me dava um pouco de medo. Mas o encantamento com a paisagem da floresta intocada afugentava estes pequenos fracassos. O percurso em linha reta demorava uns 50 minutos. Nossa viagem demorou 2,30h para ver e fotografar os estragos das diversas reservas e parques indígenas e algumas belesas: fogo, fumaça, derrubada, corte e transporte de madeiras. Chegamos em Guajará Mirim num aeroporto vazio. Ao lado de um pequeno destacamento da força aérea ficava o saguão do aeroporto. Lixo, portas arrombadas ninguém para atender. Faltam letras no luminoso de identificação do aeroporto.

Outra van, desta vez menor, nos acolheu entupindo todos os seus espaços e fomos para o Hotel Mini Estrela a poucos metros da divisa do Brasil com a Bolivia. Fiquei no saguão do hotel tratando as fotos deste trajeto e aproveitando o conhecimento do Ricardo para a identificação delas. Almoçamos no quilo do restaurante ao lado do hotel com algumas especiarias árabes. Rango rápido e fomos para a aldeia dos Waren Xjein na Reserva Lage. Vivem em casas de madeira.

O assoalho fica um metro acima do chão (para dispersar o calor). O teto é de folhas de coqueiros. Mantêm hábitos antigos do ritual da morte e do casamento. No fundo das casas antenas parabólicas os conectam com o mundo, via TV. Criam uma anta em um pequeno curral que fica sempre com a porta aberta. Ela fica uns dias na aldeia e depois volta pra floresta. Passa outros dias na floresta e retorna para a aldeia. Um queixada é o animal de estimação de um jovem.
Na escola da comunidade as lideranças, alertadas pelo sino tocado pelo chefe de posto da FUNAI, se dirigiram para lá.Se acomodaram em carteiras estudantis dispostas em frente a várias cadeiras onde se alojaram os jornalistas e alguns índios: adultos, crianças e jovens mães com seus maridos e bebês.
Depois de uma breve apresentação de cada um deles, jornalistas e índios, começou a entrevista coletiva.
A represa que vão construir na Cachoeira do Jirau – Rio Madeira, vai alagar parte do território indígena. Negociam, com o apoio de ONGs e lideranças políticas, uma forma de receber royalties e indenizações. Querem continuar ensinando sua língua nas escolas e manter os hábitos ancestrais.
Fim de tarde, fim de entrevista e da visita. Algumas índias trouxeram cestos de tucum que fizeram e venderam para os jornalistas. Comprei um. Lindo!
No crepúsculo passamos pelos pastos que já foram florestas com alguns poucos coqueiros babaçu. Voltamos para Guajará Mirim. A cidade se preparava para festejar o dia da independência do Brasil. Na noite da véspera do dia 7 de setembro desfilam as fanfarras. Palanques, quiosques e barracas ficam apinhados de gente que aproveitam o dever cívico e o associam ao prazer de um passeio noturno. Na manhã seguinte a cidade estava preparada para a parada do 7 de setembro. Em frente do Hotel Mini Estrela carros do corpo de bombeiros se perfilavam atrás dos carros do GOPE. Um trânsito frenético de jovens uniformizados de vários colégios, inclusive alunos de Gobija a vizinha cidade boliviana. É tradição virem desfilar no Brasil e vice-versa nas principais datas cívicas.
De Guajará Mirim até Brasília foram 8 horas de vôo com escalas em Porto Velho e Rio Branco. No final da tarde descemos em Brasília. Na capital da esperança. A conecção para São Paulo foi estressante. A despedida dos outros jornalistas foi alí na esteira onde pegamos as nossas malas e subimos correndo para embarcar no vôo para São Paulo. Chegamos no check in 3 minutos antes de fechar. Descemos em São Paulo perto das 22h de saco cheio de ter comido barras de cereais e bebido sucos durante todo o percurso feito nos aviões da TAM. Que falta de criatividade dos nutricionistas da empresa aérea.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

De Assis Brasil até Guajará Mirim (Acre e Rondonia) Parte I

Divisa do Brasil com a Bolivia. Assis Brasil-AC

No início de setembro fui para o Acre e Rondônia (Amazônia) fazer a cobertura fotográfica da expedição “Uma jornada pelo Acre e Rondônia: 20 Anos do assassinato de Chico Mendes”, coordenada pelo jornalista Bruno Taitson da WWF Brasil. Convidados pela ONG de proteção à vida selvagem vieram dois jornalistas italianos, dois holandeses e um americano que ficou dois anos cobrindo a guerra do Iraque para o Washington Post. Atualmente é o correspondente do jornal no Rio de Janeiro e nas horas vagas surfa nas ondas das praias cariocas. O objetivo da expedição era apresentar a região aos jornalistas, seus problemas e algumas virtudes. O primeiro encontro foi em Brasília e a primeira parada em Rio Branco, capital do Acre. No restaurante do aeroporto Presidente Médici, perguntei aos pilotos do Boeing como eles conseguiam aterrisar. Um deles, bem humorado, respondeu: “A gente acha um buraco na fumaça e acerta a pista.” No almoço de trabalho, chegaram outros membros da WWF e nos situaram da expedição, sua logística, guias, infra-estrutura e personagens. À tarde a Senadora Marina Silva concedeu uma coletiva no seu escritório.
Marina Silva

Rio Branco - Xapuri
Na manhã do dia seguinte no caminho até o escritório eu e o jornalista Hans Heijt (holandês), passamos pelo parque de Rio Branco - AC e vimos uma jovem mãe apanhando folhas de seringa caídas no chão e perguntei para o que servia. Ela disse que era contra inflamações e prevenia contra o câncer.
No escritório Claudio Maretti, superintendente da WWF Brasil, fez uma apresentação dos objetivos da expedição apresentando mapas, estatísticas e resultados. No meio da tarde embarcamos em um monomotor, com assento para 12 pessoas - sem uma das janelas - para que as fotografias e a filmagem não tivessem a interferência do acrílico. Reencontrei o cineasta Waldir Pina de Barros que fazia a filmagem deste vôo.

Castanheira isolada em pasto

Decolamos para Xapuri (terra do lendário seringueiro Chico Mendes e de muitos outros anônimos) com algumas voltas e vôos rasantes pelo percurso. Fui fotografando a floresta, rios, fazendas, derrubadas e as queimadas com o seu tufo de fumaça. Uma sensação estar sendo privilegiado pela vida: olhava, enternecido, a floresta e tentava entender o por quê. Os tantos porquês.

Elenira Mendes - Filha de Chico Mendes

Livros de Chico Mendes


Em Xapuri Elenira Mendes, filha do Chico Mendes, concedeu uma entrevista coletiva. Bruno Taitson fez a tradução. O encontro foi na sala principal da Fundação Chico Mendes decorada de objetos pessoais, fotos, títulos, medalhas e troféus conquistados pelo herói da Amazônia. Elenira contou detalhes do assassinato do seu pai e as propostas da fundação instalada em um novo prédio com sala de exposição, sala de leitura e auditório. Fica na esquina em frente da casa onde viveu o legendário seringueiro. Costumo comparar Chico Mendes a Tiradentes – com as devidas distâncias no tempo e no foco das reivindicações.
Depois do almoço fomos de van para Brasiléia, divisa do Brasil com a Bolívia.



Brasiléia - AC
Em Brasiléia visitamos a Cooperacre – Cooperativa de Comercialização Extrativista do Acre. Tem uma polêmica da região. Durante muito tempo a deliciosa castanha produzida pela árvore Bertholletia excelsa. O gênero foi batizado em homenagem ao químico francês Claude Louis Berthollet. A árvore é conhecida como castanheira e produz a Castanha do Pará. Os catadores dos outros estados amazônicos reclamaram do nome “Castanha do Pará” por que a castanha não é produzida apenas no estado do Pará. Mudaram o nome para Castanha do Brasil. Agora os extrativistas da Amazônia boliviana e peruana reclamam do nome. Querem mudar para Castanha da Amazônia. Quem viver verá. A comercialização e a produção de castanha foi muito boa na safra de 2007 e faziam a capina do terreno ao lado do armazém para um futuro galpão. A armazenagem da castanha tem que ser feita com madeira porque se for feita em alvenaria a castanha apodrece.


Folha de latex FDL


Reserva Chico Mendes, Noroeste de Brasiléia AC

Fomos de Van.
Dentro da Comunidade São Pedro, na colônia Cumaru, o doutor da borracha desenvolve um projeto de fabricação artesanal de mantas de látex sem ser defumada. A tecnologia FDL (*) foi desenvolvida pela UnB (Universidade de Brasília) e o Doutor da Borracha – João Rodrigues de Araujo, como é conhecido o fabricante das mantas, bandeiras e sapatos feitos com látex laminado. Para presentear os jornalistas foram encomendadas bandeiras da Holanda, Itália e Estados Unidos. Não deu tempo para o doutor finalizar a encomenda e assistimos o manuseio do processo de laminação de uma pequena manta feita em minutos a partir de uma colheita recente de “leite” de seringueira. Improvisou um marcador comum com um garfo e descobriu que cortando duas mantas juntas com tesoura elas se colam. A mesa é a tampa de uma caixa d´água, feita de fibra de vidro “Não é adequado mas resolve o problema” afirma, orgulhoso, o doutor da borracha.

(*) SEM DEFUMAÇÃO – A folha de borracha produzida de acordo com a técnica alternativa recebe o nome de Folha de Defumação Líquida (FDL). O látex colhido da seringueira é coagulado com o uso de ácido pirolenhoso, subproduto da carbonização da madeira, que já incorpora ácidos e alcatrões. A secagem da FDL é feita em temperatura ambiente, ao ar livre, dispensando a fase de defumação. Isso livra o seringueiro da exposição excessiva à fumaça e melhora sua qualidade de vida.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Comunidade do Lage - Etnia Oro Waram Xijein


Fronteira Oeste do Brasil. Na divisa do Estado de Rondonia com a Colombia vivem os remanescentes da etnia Oro Waran Xijein, contatados oficialmente no final dos século retrasado. Passaram por uma enorme quantidade de provações.

No ritual da morte de um indivíduo o costume é um "velório" de três dias até que os parentes que vivem no interior (floresta) possam chegar para ver o finado. Entre outras manifestações abraçam-no e o colocam no colo.

Pela alta contaminaçào do virus do sarampo, tuberculose e outros brindes do contato com os brancos morreram vários Waram Xijein. Milhares. Os sobreviventes vivem na reserva nas proximidades de Guajará-Mirim (50km).

Vai ser construida uma represa na Cahoeira do Jirau - Rio Madeira e as águas vão submergir parte da sua reserva.

Ainda não foram consultados sobre o alagamento e suas conseqüencias.

Convidados para uma entrevista com jornalistas estrangeiros (convidados pela wwf brasil a ver e ouvir "in loco"), o olhar de muitos eram de perguntas.