Acima: encenação da peça Big Mother em Saramenha
Recebi estas informações de e-mails, na quarta-feira 1 de abril. Queriam fotos que fiz do grupo e da única apresentação em Saramenha (3 km de Ouro preto). Criaram um peça coletiva “Big Mother”com as crianças da escola pública da cidade (grupo escolar). A Peça foi apresentada em homenagem ao dia das mães. Eu e Fernando Brant os jornalistas presentes na apresentação. Uma matéria de 3 páginas foi publicada na revista O Cruzeiro em1971
Julian Beck e Judith Malina em Saramenha
Nem os poetas que aspiram pela liberdade nem as conspirações ou o cheiro de insurreição, que exala pelos poros desta cidade; nem o ar de juventude que tomou cona desta Praça, neste julho de 1971, nem a fumaça que sai da boca com este frio; nem este céu calado, mas constelado; nem os abraços que transformam esta cidade num leito de amor; nem o inverno que espalha agasalhos, botas, cobertores, fizeram de Outro Preto, neste julho de 1971, um Brasil diferente.
Neste Julho de 1971 Julien Beck e Judith Malina serão presos e mostrarão um Brasil medroso. Daqui a alguns instantes Julien e Judith serão os responsáveis pelo primeiro estremecimento do Festival de inverno depois de quatro anos de realização. Julien e Judith serão levados de sua casa, na Rua Pandiá Calógeras 23, em Ouro Preto, por pregarem ä paz, a liberdade, o fim do ódio e das guerras. Estarão, daqui a pouco, na Delegacia de Ouro Preto e, logo depois, no DOPS de Belo Horizonte. Responderão a inquérito. Serão acusados de “maconheiros”. Como réus, neste julho de 1971, serão responsabilizados por denegrirem o nome do Brasil e, expulsos, como corpos estranhos a este julho de 1971.
Como nos tempos de Tiradentes, Julien Beck e Judith Malina se tornarão sintoma de um Brasil aprisionado. Com a força do AI-5 que, neste julho de 1971, ainda insiste em cassar e punir. Julien Beck e Judith Malina, arrumarão as malas e serão expurgados das ruas de Ouro Preto. Como duas manchas, eles serão banidos. Dois meses depois de sua prisão. Com o silêncio dos trabalhadores brasileiros que estão, neste julho de 1971,nas fábricas e ainda não ousam dar o primeiro grito. Julien Beck e Judith Malina, sua mulher, serão recolhidos ao DOPS, como os estudantes os operários e os políticos, que tiveram a coragem neste julho de 1971 de, nas escolas, nas fábricas, nas ruas, nas tribunas ou em qualquer cante deste Brasil, discordar deste julho de 1971.
No depoimento ele jura inocência
De calça comprida, camisa branca de mangas compridas, Judith Malina, a mulher de Julien Beck, iniciou seu depoimento. Disse:
“Que tinha inimigos em Ouro Preto, mas nãosabia os nomes por nãopossuir prova a respeito: que se trata de mera suspeita; que estes inimigos tinha colocado a maconha dentro de sua casa; que faz uma idéia”de quem ossa ter colocado a maconha, só ao possuindo provas; que as essoas fizeram isto or ser as mesmas que os têm insultado publicamente através de telegramas dirigidos às autoridades policiais, em sermões na Igreja Católica; que o Living theather procurava manter contatos com jovens brasileiros, [porque isso era imortante para o serviço teatral do grupo; que sua casa na ua Pandiá Calógeras estava sempre aberta aos pobres, onde recebiam alimenta;cão; que sempre viveu feliz com Julien Beck; que chegou a Ouro Preto com Julien Beck em novembro de 1970; que tem curso de arte dramática numa Universidade de Nova Iorque; que foi presa aproximadamente, sete vezes, nos Estados Unidos, em lutas contra a discriminação racial, chegando a ficar detida durante 30 dias”
Em seu interrogatório – o mais longo de todos – Julien Beck disse:
“Que é totalmente inverídica a acusação contra ele; que já teve experiência com maconha há muito tempo, mas que há dois anos parou de fumar até mesmo cigarros comuns, que não sabe quem colocou a erva em sua casa; que suspeita que tenha sido um inimigo, cujo nome não sabe; que não sabe a autoria de um cartaz encontrado no portão de sua casa, indicando o local onde estava enterrada a maconha; que isso também foi feito por um inimigo “anônimo”; que em fevereiro passou a morar em Ouro Preto, vindo de São Paulo, e que não arranjou inimigos ali; que existe a cidade um “forte preconceito contra o grupo Living Theatre, partindo de uma série de telegramas que pessoas “gradas” em Ouro Preto passaram ao DOPS, aplaudindo sua prisão; que não pode acusar quem assinou os telegramas como “sendo seus inimigos”; que acredita que estas pessoas estariam influenciando”outras contra ele e o pessoal do grupo; que, pessoalmente, foi muito bem tratado na polícia; que não foi forçado a falar como consta em depoimento anterior, o que pode ter contribuído “para a confusão a respeito do que disse inicialmente”.
Sobre as atividades em Ouro Preto afirmou:
- Que o grupo estava preparando uma peça teatral, que seria exibida em todo o País; que ele e os outros do Living vivem do dinheiro que recebem pelos direitos autorais de pecas e livros; que não sabe se alguém do grupo tinha maconha ou qualquer outro tipo de entorpecente; que não faz uso do álcool ou sequer de aspirina, com mede de sentir-se mal; que às vezes bebe vinho, que não tem nenhum curso universitário; que apenas matriculou-se na Universidade de Yale, deixando o curso para dedicar-se ao teatro; que estudou muito a arte teatral, bem como todas as outras artes, a ciência filosófica e a teologia; que foi preso em Nova Iorque varias vezes, por protestar contra o emprego de armas atômicas em guerras; depois porque seu teatro estava em situação ilegal; que na terceira vez ficou detido durante 80 dias, porque ofende verbalmente o juiz que o julgou; que suas prisões em outros países, foi sempre pelo mesmo motivo: questão de princípios”.
Um decreto, assinado pelo então presidente da República, Garrastazu Medici, expulsa Julien Beck, Judith Malina, sua mulher, e mais 11 atores do Living Theather do Brasil
Pelo decreto 66689, artigo 100, de 11 de junho de 1969, dizia: Durante os primeiros dias de julho,membros do grupo internacional de teatro, conhecidos como Living Theather, foram presos em Minas Gerais, acusados de crime descrito no artigo 218 do Código Penal. Sua prisão levantou uma onda de protesto em várias partes do mundo, atribuindo ao governo brasileiro conduta inamistosa em relação ao mundo teatral e isto foi explorado por inimigos de nosso País, através de uma campanha difamatória que empreenderam contra o Brasil. Esta campanha tem sido incentivada por membros do próprio Living Theather, através de declarações distribuídas pela imprensa inernacional. Isto ambem constitui um crime contra a segurança nacional. Este comportamento torna a presen;Ca destes estrangeiros, presos em Minas Gerais, absolutamente erniciosa aos interesses nacionais e torna-os passíveis de expulsão. Além disso, umuterior adiamento da liberdde deles, causada pelas dificuldades impostas no decorrer normal de seu processo criminoso, agora em andamento emMinas Gerais, estimularia,ainda mais ações da parte destes desejosos de denegrir o bom nome do Brasil”
Cinco dias deposi do decreto presidencial, eles embarcaram para o rio de Janeiro, com destino a Nova Iorque. Em seu diário, Judith Malina, conta como recebeu a expulsão:
“E assim teremos que deixar o Brasil O julgamento continuará sem nós. O silêncio no Tribunal é pesado. O silêncios sombrio dos advogados está misturado de outros sentimentos. Nosso silêncio é igualmente estranho. Está quase tudo acabado. Deixamos ouro Preto pela ‘ltima vez. Nossos amigos, em grande número, reúnem-se em torno do ônibus. Há os dois cozinheiros do resgtaurante Calabouço, os dois rapazes da favela de rãs da casa. O ônibus sobe a rua Direita. Com o meu rosto apertado contra a janela do ônibus,as lágrima descem de repente. Eu amo o Brasil. Na Praça Tiradentes tudo esta muito calmo. Dois estudantes estão sentados na base do monumento a Tiradentes. Quando nosso ônibus passa, um deles levanta a mão com o punho cerrado. Quando cheamos ao DOPS, as luzes das câmaras e os flashs nos põem tontos. Repórteres, advogados, mil perguntas: quando? Quais as notícias oficiais? O que há sobre os brasileiros do grupo? Para onde vamos?quando vamos ser soltos? O que significa ser banido? Poderemos voltar um dia?
Levará tempo antes que tudo fique claro. Agora apenas dizemos isto: estaremos tristes por deixar o Brasil. Queremos voltar.
Uma proposta: trabalhar de graça
- O que significou para o Festival de Inverno, a prisão e expulsão de Julien Beck, sua mulher e de mais 11 integrantes do Living Theather?
Julio Varela, diretor executivo do Festival de Inverno, diz que tudo não passou de um “mal entendido”, pois o pessoal do Living Theather, apesar de ter sido preso no primeiro dia do Festival, não participava dele. “A coordenação do Festival de Inverno tentara um entrosamento com eles anteriormente, pois Julien Beck me escreveu uma carta de São Paulo, na qual dizia do seu entusiasmo de criar um novo trabalho para o Festival de Ouro Preto. Em seguida, ele dava o seu currículo. Nos não chegamos a combinar nada, porque o dinheiro que eles pediam era muito maior do que a gente tinha para toda a programação. Embora nos tivessem oferecido, às vésperas do Festival, a apresentação gratuitamente, achamos melhor não modificar mais a programação, porque já estava em cima da hora. Então, eles não participaram do Festival. No entanto, vincularam tudo ao Festival de Inverno. Acontece que o Grupo já estava morando em Ouro Preto desde novembro do ano anterior”. Esta foi a primeira sombra que desceu sobre o Festival de Inverno.
Julian Beck
A Carta
A carta de Julien Beck a Julio Varela não foi publicada pela imprens,na época. Ela está datada de primeiro de fevereiro de 1971 e está, na íntegra:
“Caro Júlio Varela,”
Nosso entusiasmo para criar um novo trabalho para o Festival de Ouro Preto não tem diminuído desde que falamos juntos em dezembro passado. Temos pensado sobre isso durante as seis últimas semanas e achamos que as idéias estão ao ponto de florescer. Esperamos que seja possível chegarmos a um acordo para que possamos fazer o trabalho juntos.
O projeto que temos em mente é a criação dum ciclo de peças para serem apresentadas em diferentes partes de uma cidade, em diferentes tipos de lugares, durante um período de dez dias. Isto quer dizer que queremos criar, talvez, cinqüenta peças ou mais, que serão apresentadas em lugares diferentes de Ouro Preto. Há, como se sabe, um movimento no teatro moderno para criar teatro fora da tradicional arquitetura do teatro, um movimento que quer ver a barreira entre arte e vida desaparecer. Nosso trabalho é parte desse movimento. O Festival de Ouro Preto poderia ser o lugr da estréia mundial de nosso primeiro maior trabalho desse tipo.
O grupo Living Theaher que está trabalhando aqui é composto por brasileiros e os membros do Living Theather que vieram da Europa e dos Estados Unidos. Nós já temos um forte conjunto que é capaz de fazer esse trabalho. Nós já estivemos trabalhando juntos por alguns meses e já temos apresentado juntos alguns esktches (esboços) desse novo trabalho nas praças centrais de Embu e de Rio Claro (SP). Eu acho que todo o mundo esta muito encourageado pelo sucesso dessas primeiras tentativas.
Junto com estão vão incluídas algumas informações sobre nosso trabalho passado: duas bibliografias de nosso trabalho, uma em francês, uma em italiano; uma lista de nossas apresentações durante os últimos seis anos e cópias de capas de alguns dos livros escritos sobre nosso trabalho. A lista dos livros inclui também:
- Paradise. Now/The Living Theatre. Ein Bericht In Wort und Bild. Por Erika Billeter/D”olf Preising, Zurick 1968.
- The Living Theather, por Carlo Silvestri, Lerici, torino, Italia 1970
- the Living Theather, by Danae Brooke, MacMillan, New York, janeiro 1971
- The Living Theaher, by Danae Beriew, Volume 1, Number 2, 1969
Espero que isto seja suficiente “background information” para o momento.
Para preparar este traalho para o Festival utilizaremos um processo de criação coletiva, o mesmo processo que deu origem a nossas obras: “Mysteries and Smaller Pieces”, “Frankenstein”, “Paradise Now”, e a mise-em-scene para Äntigone”. Este e um longo processo, que precisara um período de ensaio de pelo menos cinco meses. Nós já temos de fato começado esse trabalho, mas precisaríamos de algum suporte financeiro do Festival para completá-lo. Então, o dinheiro que pedimos é para ajudar a cobrir as nossas despesas cotidianas, e as despesas de esaio e preparação da produção.
Com isto em mente esperamos que seja possível para o Festival pagar um cachet de 40 mil cruzeiros (quarenta mil) o equivalente à 4.000 CR$ para cada dia de apresentação no Festival. É isto possível?
Eu quero expressar o nosso grande desejo de fazer este trabalho para o Festival de Ouro Preto. Como estaremos vivendo em Ouro Preto, durante o período de ensaios, a obra poderia ser especialmente concebida para a ambiência. Se for um êxito, poderá ser um importante experimento no desenvolvimento da arte teatral. Estamos prontos para fazer todo o possível para realizar esse trabalho.
Esta carta está sendo escrita de São Paulo. Retornamos a Ouro Preto no dia 8 de fevereiro onde ficaremos até o dia 19 de fevereiro, quando precisaremos voltar ao Rio e São Paulo por duas semanas para fazer um trabalho em televisão que seria, de fato, outro trabalho preparatório, um prólogo, para a vasta obra a ser estreadas no Fesival de Ouro Preto. Esperamos seja breve qualquer contato da sua parte”.
Sinceramente Julien Beck
A Associação Cultura Arquivo Público Mineiro com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado de Minas Gerais vai publicar um livro sobre a passagem do Living Theatre em Minas Gerais, Ouro Preto e BH no ano de 1971.
Outra coisa, este trabalho não visa lucro, ele não será vendido,a tiragem de 1.000 serão doados às instituições públicas e privadas selecionadas, escola e afins. Queremos homenagear a Judith Malina e informar às novas gerações dos horrores da ditadura, nós da geração que vivemos ou se não vivemos pessoalmente esta fase, tivemos reflexos para sua vida. Roseli
Outra coisa, este trabalho não visa lucro, ele não será vendido,a tiragem de 1.000 serão doados às instituições públicas e privadas selecionadas, escola e afins. Queremos homenagear a Judith Malina e informar às novas gerações dos horrores da ditadura, nós da geração que vivemos ou se não vivemos pessoalmente esta fase, tivemos reflexos para sua vida. Roseli
Recebi estas informações de e-mails, na quarta-feira 1 de abril. Queriam fotos que fiz do grupo e da única apresentação em Saramenha (3 km de Ouro preto). Criaram um peça coletiva “Big Mother”com as crianças da escola pública da cidade (grupo escolar). A Peça foi apresentada em homenagem ao dia das mães. Eu e Fernando Brant os jornalistas presentes na apresentação. Uma matéria de 3 páginas foi publicada na revista O Cruzeiro em1971
Jornal Estado de Minas, domingo dia 18 de maio de 1980
Festival Ameaçado
Expulsão de Julien Beck, a primeira grande queda.
Festival Ameaçado
Expulsão de Julien Beck, a primeira grande queda.
Julian Beck e Judith Malina em Saramenha
Nem os poetas que aspiram pela liberdade nem as conspirações ou o cheiro de insurreição, que exala pelos poros desta cidade; nem o ar de juventude que tomou cona desta Praça, neste julho de 1971, nem a fumaça que sai da boca com este frio; nem este céu calado, mas constelado; nem os abraços que transformam esta cidade num leito de amor; nem o inverno que espalha agasalhos, botas, cobertores, fizeram de Outro Preto, neste julho de 1971, um Brasil diferente.
Neste Julho de 1971 Julien Beck e Judith Malina serão presos e mostrarão um Brasil medroso. Daqui a alguns instantes Julien e Judith serão os responsáveis pelo primeiro estremecimento do Festival de inverno depois de quatro anos de realização. Julien e Judith serão levados de sua casa, na Rua Pandiá Calógeras 23, em Ouro Preto, por pregarem ä paz, a liberdade, o fim do ódio e das guerras. Estarão, daqui a pouco, na Delegacia de Ouro Preto e, logo depois, no DOPS de Belo Horizonte. Responderão a inquérito. Serão acusados de “maconheiros”. Como réus, neste julho de 1971, serão responsabilizados por denegrirem o nome do Brasil e, expulsos, como corpos estranhos a este julho de 1971.
Como nos tempos de Tiradentes, Julien Beck e Judith Malina se tornarão sintoma de um Brasil aprisionado. Com a força do AI-5 que, neste julho de 1971, ainda insiste em cassar e punir. Julien Beck e Judith Malina, arrumarão as malas e serão expurgados das ruas de Ouro Preto. Como duas manchas, eles serão banidos. Dois meses depois de sua prisão. Com o silêncio dos trabalhadores brasileiros que estão, neste julho de 1971,nas fábricas e ainda não ousam dar o primeiro grito. Julien Beck e Judith Malina, sua mulher, serão recolhidos ao DOPS, como os estudantes os operários e os políticos, que tiveram a coragem neste julho de 1971 de, nas escolas, nas fábricas, nas ruas, nas tribunas ou em qualquer cante deste Brasil, discordar deste julho de 1971.
No depoimento ele jura inocência
De calça comprida, camisa branca de mangas compridas, Judith Malina, a mulher de Julien Beck, iniciou seu depoimento. Disse:
“Que tinha inimigos em Ouro Preto, mas nãosabia os nomes por nãopossuir prova a respeito: que se trata de mera suspeita; que estes inimigos tinha colocado a maconha dentro de sua casa; que faz uma idéia”de quem ossa ter colocado a maconha, só ao possuindo provas; que as essoas fizeram isto or ser as mesmas que os têm insultado publicamente através de telegramas dirigidos às autoridades policiais, em sermões na Igreja Católica; que o Living theather procurava manter contatos com jovens brasileiros, [porque isso era imortante para o serviço teatral do grupo; que sua casa na ua Pandiá Calógeras estava sempre aberta aos pobres, onde recebiam alimenta;cão; que sempre viveu feliz com Julien Beck; que chegou a Ouro Preto com Julien Beck em novembro de 1970; que tem curso de arte dramática numa Universidade de Nova Iorque; que foi presa aproximadamente, sete vezes, nos Estados Unidos, em lutas contra a discriminação racial, chegando a ficar detida durante 30 dias”
Em seu interrogatório – o mais longo de todos – Julien Beck disse:
“Que é totalmente inverídica a acusação contra ele; que já teve experiência com maconha há muito tempo, mas que há dois anos parou de fumar até mesmo cigarros comuns, que não sabe quem colocou a erva em sua casa; que suspeita que tenha sido um inimigo, cujo nome não sabe; que não sabe a autoria de um cartaz encontrado no portão de sua casa, indicando o local onde estava enterrada a maconha; que isso também foi feito por um inimigo “anônimo”; que em fevereiro passou a morar em Ouro Preto, vindo de São Paulo, e que não arranjou inimigos ali; que existe a cidade um “forte preconceito contra o grupo Living Theatre, partindo de uma série de telegramas que pessoas “gradas” em Ouro Preto passaram ao DOPS, aplaudindo sua prisão; que não pode acusar quem assinou os telegramas como “sendo seus inimigos”; que acredita que estas pessoas estariam influenciando”outras contra ele e o pessoal do grupo; que, pessoalmente, foi muito bem tratado na polícia; que não foi forçado a falar como consta em depoimento anterior, o que pode ter contribuído “para a confusão a respeito do que disse inicialmente”.
Sobre as atividades em Ouro Preto afirmou:
- Que o grupo estava preparando uma peça teatral, que seria exibida em todo o País; que ele e os outros do Living vivem do dinheiro que recebem pelos direitos autorais de pecas e livros; que não sabe se alguém do grupo tinha maconha ou qualquer outro tipo de entorpecente; que não faz uso do álcool ou sequer de aspirina, com mede de sentir-se mal; que às vezes bebe vinho, que não tem nenhum curso universitário; que apenas matriculou-se na Universidade de Yale, deixando o curso para dedicar-se ao teatro; que estudou muito a arte teatral, bem como todas as outras artes, a ciência filosófica e a teologia; que foi preso em Nova Iorque varias vezes, por protestar contra o emprego de armas atômicas em guerras; depois porque seu teatro estava em situação ilegal; que na terceira vez ficou detido durante 80 dias, porque ofende verbalmente o juiz que o julgou; que suas prisões em outros países, foi sempre pelo mesmo motivo: questão de princípios”.
Um decreto, assinado pelo então presidente da República, Garrastazu Medici, expulsa Julien Beck, Judith Malina, sua mulher, e mais 11 atores do Living Theather do Brasil
Pelo decreto 66689, artigo 100, de 11 de junho de 1969, dizia: Durante os primeiros dias de julho,membros do grupo internacional de teatro, conhecidos como Living Theather, foram presos em Minas Gerais, acusados de crime descrito no artigo 218 do Código Penal. Sua prisão levantou uma onda de protesto em várias partes do mundo, atribuindo ao governo brasileiro conduta inamistosa em relação ao mundo teatral e isto foi explorado por inimigos de nosso País, através de uma campanha difamatória que empreenderam contra o Brasil. Esta campanha tem sido incentivada por membros do próprio Living Theather, através de declarações distribuídas pela imprensa inernacional. Isto ambem constitui um crime contra a segurança nacional. Este comportamento torna a presen;Ca destes estrangeiros, presos em Minas Gerais, absolutamente erniciosa aos interesses nacionais e torna-os passíveis de expulsão. Além disso, umuterior adiamento da liberdde deles, causada pelas dificuldades impostas no decorrer normal de seu processo criminoso, agora em andamento emMinas Gerais, estimularia,ainda mais ações da parte destes desejosos de denegrir o bom nome do Brasil”
Cinco dias deposi do decreto presidencial, eles embarcaram para o rio de Janeiro, com destino a Nova Iorque. Em seu diário, Judith Malina, conta como recebeu a expulsão:
Judith Malina no escritório nos fundos do restaurante Calabouço
“E assim teremos que deixar o Brasil O julgamento continuará sem nós. O silêncio no Tribunal é pesado. O silêncios sombrio dos advogados está misturado de outros sentimentos. Nosso silêncio é igualmente estranho. Está quase tudo acabado. Deixamos ouro Preto pela ‘ltima vez. Nossos amigos, em grande número, reúnem-se em torno do ônibus. Há os dois cozinheiros do resgtaurante Calabouço, os dois rapazes da favela de rãs da casa. O ônibus sobe a rua Direita. Com o meu rosto apertado contra a janela do ônibus,as lágrima descem de repente. Eu amo o Brasil. Na Praça Tiradentes tudo esta muito calmo. Dois estudantes estão sentados na base do monumento a Tiradentes. Quando nosso ônibus passa, um deles levanta a mão com o punho cerrado. Quando cheamos ao DOPS, as luzes das câmaras e os flashs nos põem tontos. Repórteres, advogados, mil perguntas: quando? Quais as notícias oficiais? O que há sobre os brasileiros do grupo? Para onde vamos?quando vamos ser soltos? O que significa ser banido? Poderemos voltar um dia?
Levará tempo antes que tudo fique claro. Agora apenas dizemos isto: estaremos tristes por deixar o Brasil. Queremos voltar.
Uma proposta: trabalhar de graça
- O que significou para o Festival de Inverno, a prisão e expulsão de Julien Beck, sua mulher e de mais 11 integrantes do Living Theather?
Julio Varela, diretor executivo do Festival de Inverno, diz que tudo não passou de um “mal entendido”, pois o pessoal do Living Theather, apesar de ter sido preso no primeiro dia do Festival, não participava dele. “A coordenação do Festival de Inverno tentara um entrosamento com eles anteriormente, pois Julien Beck me escreveu uma carta de São Paulo, na qual dizia do seu entusiasmo de criar um novo trabalho para o Festival de Ouro Preto. Em seguida, ele dava o seu currículo. Nos não chegamos a combinar nada, porque o dinheiro que eles pediam era muito maior do que a gente tinha para toda a programação. Embora nos tivessem oferecido, às vésperas do Festival, a apresentação gratuitamente, achamos melhor não modificar mais a programação, porque já estava em cima da hora. Então, eles não participaram do Festival. No entanto, vincularam tudo ao Festival de Inverno. Acontece que o Grupo já estava morando em Ouro Preto desde novembro do ano anterior”. Esta foi a primeira sombra que desceu sobre o Festival de Inverno.
A Carta
A carta de Julien Beck a Julio Varela não foi publicada pela imprens,na época. Ela está datada de primeiro de fevereiro de 1971 e está, na íntegra:
“Caro Júlio Varela,”
Nosso entusiasmo para criar um novo trabalho para o Festival de Ouro Preto não tem diminuído desde que falamos juntos em dezembro passado. Temos pensado sobre isso durante as seis últimas semanas e achamos que as idéias estão ao ponto de florescer. Esperamos que seja possível chegarmos a um acordo para que possamos fazer o trabalho juntos.
O projeto que temos em mente é a criação dum ciclo de peças para serem apresentadas em diferentes partes de uma cidade, em diferentes tipos de lugares, durante um período de dez dias. Isto quer dizer que queremos criar, talvez, cinqüenta peças ou mais, que serão apresentadas em lugares diferentes de Ouro Preto. Há, como se sabe, um movimento no teatro moderno para criar teatro fora da tradicional arquitetura do teatro, um movimento que quer ver a barreira entre arte e vida desaparecer. Nosso trabalho é parte desse movimento. O Festival de Ouro Preto poderia ser o lugr da estréia mundial de nosso primeiro maior trabalho desse tipo.
O grupo Living Theaher que está trabalhando aqui é composto por brasileiros e os membros do Living Theather que vieram da Europa e dos Estados Unidos. Nós já temos um forte conjunto que é capaz de fazer esse trabalho. Nós já estivemos trabalhando juntos por alguns meses e já temos apresentado juntos alguns esktches (esboços) desse novo trabalho nas praças centrais de Embu e de Rio Claro (SP). Eu acho que todo o mundo esta muito encourageado pelo sucesso dessas primeiras tentativas.
Junto com estão vão incluídas algumas informações sobre nosso trabalho passado: duas bibliografias de nosso trabalho, uma em francês, uma em italiano; uma lista de nossas apresentações durante os últimos seis anos e cópias de capas de alguns dos livros escritos sobre nosso trabalho. A lista dos livros inclui também:
- Paradise. Now/The Living Theatre. Ein Bericht In Wort und Bild. Por Erika Billeter/D”olf Preising, Zurick 1968.
- The Living Theather, por Carlo Silvestri, Lerici, torino, Italia 1970
- the Living Theather, by Danae Brooke, MacMillan, New York, janeiro 1971
- The Living Theaher, by Danae Beriew, Volume 1, Number 2, 1969
Espero que isto seja suficiente “background information” para o momento.
Para preparar este traalho para o Festival utilizaremos um processo de criação coletiva, o mesmo processo que deu origem a nossas obras: “Mysteries and Smaller Pieces”, “Frankenstein”, “Paradise Now”, e a mise-em-scene para Äntigone”. Este e um longo processo, que precisara um período de ensaio de pelo menos cinco meses. Nós já temos de fato começado esse trabalho, mas precisaríamos de algum suporte financeiro do Festival para completá-lo. Então, o dinheiro que pedimos é para ajudar a cobrir as nossas despesas cotidianas, e as despesas de esaio e preparação da produção.
Com isto em mente esperamos que seja possível para o Festival pagar um cachet de 40 mil cruzeiros (quarenta mil) o equivalente à 4.000 CR$ para cada dia de apresentação no Festival. É isto possível?
Eu quero expressar o nosso grande desejo de fazer este trabalho para o Festival de Ouro Preto. Como estaremos vivendo em Ouro Preto, durante o período de ensaios, a obra poderia ser especialmente concebida para a ambiência. Se for um êxito, poderá ser um importante experimento no desenvolvimento da arte teatral. Estamos prontos para fazer todo o possível para realizar esse trabalho.
Esta carta está sendo escrita de São Paulo. Retornamos a Ouro Preto no dia 8 de fevereiro onde ficaremos até o dia 19 de fevereiro, quando precisaremos voltar ao Rio e São Paulo por duas semanas para fazer um trabalho em televisão que seria, de fato, outro trabalho preparatório, um prólogo, para a vasta obra a ser estreadas no Fesival de Ouro Preto. Esperamos seja breve qualquer contato da sua parte”.
Sinceramente Julien Beck
Um comentário:
Prezado Juvenal;
Trabalho em uma editora na cidade de Ouro Preto e estou trabalhando na edição de um livro sobre os 300 anos de Ouro Preto, um livro de Imagens. Soube por um professor da UFOP que vc possui fotos do Julian e da Judith quando estes estiveram aqui em OP. Gostaria de saber, em nome da editora, como faço para ter acesso às fotos feitas por vc e também sobre o uso de imagens, caso tenha alguma que seja interessante para o livro.
Meu e-mail é assis.op@gmail.com
Peço, por gentileza, caso tenha interesse em colaborar com o projeto que nos contate.
Obrigada!
Pollyanna Assis
Livraria e Editora Graphar
Ouro Preto - MG
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