sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Duos - Penna Prearo e Viktor Bulla

Meu amigo Penna Prearo tem umas idéias fotográficas surpreendentes. Entre as muitas que realizou, uma delas, é a foto dos artistas na Casa das Retortas com as cabeças ensacadas. É significativa e faz parte da série "Quem você pensa que é"

Penna Prearo 2004

Dias atrás fui no ateliê do meu amigo Samuca (Salomon Cytrynowicz) que tem uma boa biblioteca de livros de fotografia. Com frequência saio da repartição e passo lá para conversar. Samuca é um ótimo professor de fotografia e sempre recebo aulas dignas de um curso de extensão em Oxford ou em qualquer outro lugar que for “iluminado”. Falamos com o Glauber, abrimos um livro e o Samuca professa sabedoria fotográfica, como um alimento. Foi professor de fotografia na PUC por mais de 10 anos e agora navega no trabalho pessoal.

Viktor Bulla 1937

O ultimo livro que abrimos foi o Propaganda and Dreams com fotografias da década de 1930 na União Soviética e Estados Unidos. Mostra um paralelo entre as fotografias realizadas por fotógrafos russos e ameAO Aricanos. A foto acima foi feita em 1937 mostrando um grupo de jovens com máscaras de gás me levou imediatamente a um paralelo com o trabalho do Penna Prearo.

Viktor Bulla foi um notável repórter fotográfico. Com 20 anos fez uma documentação fotográfica da guerra russo japonesa 1904/1905. O Japão foi vitorioso.
Também documentou a primeira guerra mundial 1914/1917.

Seu pai Karll Bulla tinha em Leningrado uma empresa bem sucedida de fotografias. Fabricava chapas emulcionadas. Vale a pena entrar no Google e navegar nas fotos e textos sobre os Bullas.
Viktor Bulla também fotografou a revolução de outubro de 1917 e a guerra civil russa. Foi chefe de fotografia da agência Leningrado Soviética. Em 1938 durante a grande purga (uma série de campanhas de repressão política e perseguição na União Soviética) feitas por Joseph Stalim em 1936/1938, também descrita como o “holocausto soviético” - ele foi preso e acusado de ser um espião alemão.

Penna Prearo está imerso em uma linguagem pessoal incomparável, mesmo que eu queira fazer esta citação e paralelo com o fotógrafo Viktor Bulla. Acho que é só por lembrar dele e querer falar sobre o seu trabalho. Uma vez nos encontramos na Av. Alfonso Bovero, em São Paulo e ele me deu ótimos textos de Oliviero Toscani que guardo. Em outra ocasião precisávamos de um ensaio para a revista Coyote e procurei o Penna que publicou fotos de rachaduras das calçadas nos arredores da sua casa no bairro do Sumaré, em São Paulo. É um artista.

Penna está na ativa. Sempre esteve. Consagrados curadores e críticos como Stefania Briil, Agnaldo Farias, Simoneta Persichetti, Tadeu Chiarelli e Rubens Fernandes Júnior escreveram textos elogiosos sobre o seu trabalho.
Eu também quero homenageá-lo aqui no meu canto.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Abismo de rosas


Estava eu passeando pela Galeria do Rock para comprar um truck para o skate do meu filho e nas proximidades, na Rua 24 de Maio, ouvi um som de violão muito familiar. O violonista Renato Sanguinetti, sentado numa cadeira tocava a valsa Abismo de Rosas, composta em 1905 pelo grande violonista Canhoto quando tinha apenas 16 anos.A composição era um desabafo a uma decepção amorosa, pois o autor acabara de ser abandonado pela namorada, filha de um escravo.
Meu pai era sapateiro, cantor e violonista. Muitas vezes o ouvi tocando no seu violão suas músicas preferidas e entre elas esta valsa.
Meio tocado pelo som que saia do violão de Antonio Sanguinetti, ali ao lado da Galeria do Rock, parei e fiquei ouvindo a execução do Abismo de Rosas que é considerada o hino dos violonistas brasileiros. Um dos ouvintes meio tocado pela 51 me disse que a música era das antigas e que ninguém dava muito valor e que aquele violonista era o máximo.
Trabalhei um tempo na sapataria com o meu pai, aprendi a trocar solados, meia sola, saltos, reformas e concertos gerais. Criei um modelo e fiz o sapato.
Algumas ocasiões de pouco serviço ele pegava o violão e mandava ver. Era uma pessoa suave apesar das grandes dificuldades que ele e minha mãe tiveram para criar os 16 filhos. Eu sou o 14.
O câncer pegou seu esôfago e se alastrou. Mesmo fraquinho, na maca que trouxeram para ele, tocava o violão. Eu ficava feliz quando ele levava o Abismo de Rosas. Por isso, ontem, fiquei emocionado em frente a Galeria do Rock

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Natal do Batman


Julio, meu vizinho é um cara interessante. Também fotógrafo. Gosta de malhar e cultiva o corpo. Acredita na salvação da alma através de orações e dos cultos. Eu no aqui e agora. De vez em quando nos cruzamos na entrada do prédio. Um dia fomos tomar um café na Vila Madalena para planejar uma open door no meu apartamento que acabou não rolando porque os outros dois vizinhos amarelaram. No final do ano ele arregimentou um bando de gente e fez o filme Natal do Batman. Hoje me disse que o filme está no youtube. Não querendo atrapalhar a filmagem fiquei em casa e da janela via e ouvia a movimentação no térreo do prédio. Numa das cenas o Batman foi pra rua e se mostrou.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Pés


O normal seria colocar a foto dos rostos e escrever sobre cada uma das pessoas donas dos pés. Sugerindo ao leitor o que cada uma faz, pensa e em que lugar se encontram. Mas são pés retratados. No primeiro olhar se constata que são delicados e uma delas tem esmaltes recentes.
Os pés da esquerda percorreram todo o Brasil e mais de 40 países. Caminhou, subiu e desceu pela Amazonia, Planalto Central, Planalto Paulista e várias outras geografias brasileiras. É jornalista e documentarista. Formada pela Faculdade Casper Libero com mestrado na Universidade de Columbia, em Nova York, e bolsista da Fundação Reuters na Universidade de Oxford, onde estudou filosofia política. Todo este percurso possibilitou o conhecimento das mazelas e virtudes do nosso ecosistema. Dirige o departamento de comunicação de uma ONG voltada para a sustentabilidade e preservação.
Os outros dois, com esmaltes recentes, nasceu nos Estados Unidos, estudou na Universidade de Columbia, viveu um período na Epanha e veio ao Brasil para dar consultoria - a serviço da Bolsa de Ouro de Londres, a empresas mineradoras para humanizar grandes minas de ouro. Convivi com elas no final de semana em Ilha Bela, litoral Paulista.
Depois de conversar muito, porque chovia, ficamos dentro de casa e me lembrei da Mina de Ouro Chico Rei em Ouro Preto e de como era feita a exploração no tempo da escravatura.
"Chico Rei é um personagem lendário da tradição oral de Minas Gerais. Era o rei de uma tribo no Congo e trazido como escravo para o Brasil. Foi vendido no Rio de Janeiro e levado para Vila Rica, juntamente com seu filho. Pela sua linhagem de monarca - que a escravidão não desbotou, conseguiu comprar sua liberdade e a de seu filho. Adquiriu a Mina da Encardideira. Aos poucos, foi comprando a alforria de seus compatriotas. Os escravos libertos consideravam-no "rei".
Uma conclusão muito otimista é a de que algumas sementes germinam. Demoram, mas germinam.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Adi Ribeiro - Mateiro


Uma mistura de Dersu Uzala com caboclo Zen. Esta é a imagem que ficou do Adi Ribeiro. Mateiro que nos acompanhou na expedição Patauá. Um dia na sesta do almoço Adi dormia, deitado sobre as tábuas do convés, com a cabeça apoiada em um degrau de madeira. Me parecia numa boa. Tem 72 anos. Nasceu no município de Anajás - Marajó. Quando jovem tirava leite das seringueiras para fazer borracha . "Não era uma vida boa porque trabalhava de noite e madrugada". Um dia uma onça preta pulou em cima dele mas seu tio Pedro Correia Sobrinho deu um tiro de espingarda carregada pela boca (neste tempo não tinha cartucheira). A onça pegou um porco na fazenda e fugiu. Eles foram atrás. "Tinha uma armadilha no caminho e feriu a onça, não matou. Ela saiu da armadilha e nós atrás. Eu ia no rastro e ele atrás de mim. A onça estava atrás de uma rebulada de açaizeiro onde ela avançou e meu tio atirou."
Nunca foi empregado. Trabalhou na borracha, no óleo de patauá, cortando madeira com o machado e também no corte de palmito. Atualmente é fiscal na Fazenda Ararquara.
Nas caminhadas pelas matas íamos em fila indiana e ele sempre atrás de mim. Me falou que assim me protegia.



O madeireiro Benedito de Souza Dias



Na localidade Porto Olaria o empresário marajoara Benedito Dias me convida a ver sua serraria, a Madeireira Jacaré Grande. Um conjunto de galpões com bastante uso nas margens do Rio Parauaú no Arquipélago do Marajó, nas proximidades do Estreito de Breves. Já teve cem funcionários registrados para estufar (secar a madeira na estufa) e fazer o acabamento. “Em 2007 o manejo travou e a partir daí deixei de faturar 200 mil reais por mês” me diz explicando que as leis ambientais de manejo e conservação das florestas estão muito exigentes limitando o trabalho dos aventureiros e das madeireiras clandestinas. Desde então a cidade de Breves com 85 mil habitantes vê o desemprego, a criminalidade e prostituição crescendo. O município vive basicamente da exploração de madeira. Como uma compensação é “permitida” a fabricação de cabos de vassoura em pequenas serrarias nas beiras dos rios.
“Tenho cinco projetos de manejo e conto com dois como certos” fala com certo otimismo querendo dizer que a madeireira vai voltar aos tempos de muito movimento.
Não ouvi nenhum motor ligado. Três funcionários em todo o conjunto. Uma pá carregadeira de pouco uso transita entre dois prédios. Seu filho Everson Dias estuda em Belém e vai fazer curso de pós graduação em direito ambiental em São Paulo ou Curitiba. "Para facilitar o trabalho de certificação e manejo dos projetos da familia" justifica.
Nos últimos quarenta nos Benedito navegou por quase todos os rios do arquipélago e lembra da época das embarcações a vela e dos mais de quarenta dias que teve de ficar no meio do mato cortando e serrando madeira. Durante a viagem Benedito me colocava a par das logísticas e das manhas da exploração de madeira. "A madeira movimenta muito dinheiro e rápido, mas quem provoca o desmatamento é o agricultor e o pecuarista, não o madeireiro" complementa.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Tika - Clenice Reis


Tika foi a cozinheira da lancha motor Araraquara durante a Expedição Patauá. De uma suavidade difícil de encontrar. Casada com o Marionildo, marinheiro do barco, fazia o café da manhã, o almoço, a merenda e o jantar.
Um dia serviu um tatu assado que foi presenteado pelo Samuel do Rio Marituba. Delícia! Num outro almoço um jabuti ensopado - fiquei com dó do jabuti e não quis comer. Eu tinha visto ele ainda vivo no convés da lancha. No jantar comemos carne de búfalo com óleo do patauá.
Na segunda noite da viagem ela deitou com o Marionildo na rede que arrebentou e caíram no convéz.
No final da viagem, já em Breves, ela foi em casa e trouxe o filho para conhecermos.

Gustavo Juliano


Em Canápolis – MG, Gustavo é oficial de justiça. Na expedição Patauá um ótimo contador de piadas e histórias do interior mineiro.
“No final de semana ia o mineiro por uma rodovia congestionada no seu marverick tungado. Costurava pela contra mão os carros e lá na frente um guarda fez sinal para ele parar e fala pro mineiro.
- Bonito, heim?
- Bonito e veloz!
- Cadê o cinto de segurança?
- Está no porta mala amarrando um botijão de gás!
O guarda faz a volta no carro e pergunta para a mulher do mineiro pela janela do carona.
- Ele é sempre engraçadinho assim?
- Só quando bebe, seu guarda!.
O guarda libera o mineiro.
- Pode ir.
- Ah sô guarda dá uma empurradinha porque a bateria tá fraca!”

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Cerveja


Marcilio Ruis Seco foi o comandante da lancha motor Araraquara durante a Expedição Patauá - janeiro de 2009. Mais conhecido como Cerveja foi pescador de alto mar, gerente em uma fábrica de palmito no interior do Arquipélado do Marajó, candidato a vereador pelo Município de Anajás, por três vezes - na primeira teve cento e vinte e dois votos, na segunda oitenta e nove e na terceira vinte e seis. "É que eu não trabalhei direito a última campanha". Em nenhuma delas foi eleito. Em Anajás acumula as funções de pastor evangélico. O apelido veio da juventude e era Cerveja Quente por ser muito agitado. Agora nem bebe mais. Sabe as rotas e os furos dos diversos rios do Marajó mesmo nas noites de pouca luz como quando navegávamos pelos rios Parauaú, Jaburuzinho, Furo das Piranhas, Jaburu Grande, Tucupi, Furo do Jai, Macacos, Matamatá, Aramã, Furo do Breu, Anajás, Guajará, Furo Grande e Cururu, durante os cinco dias que durou a viagem.
O motor da lancha não tem escapamento e o barulho pó, pó,pó,pó,pó,pó,pó,pó,pó,pó,pó,pó,pó era dia e noite. Uma manhã, ainda de madrugada, quando atracamos no trapiche da localidade Belém do Ribeira o céu limpo mostrou uma imensidão de estrelas e me lembrei da dificuldade do meu amigo Vidal Cavalcante em contar as estrelas do céu. Vidal em uma de suas idas a Camburi contou para os meninos que em uma noite inspirada resolveu contar as estrelas do céu. Contou, contou, contou e quando estava quase acabando o dia amanheceu.

Belém do Ribeira - Marajó - PA

A lancha desligou o motor e o silêncio ocupou.
Esta foi a visão de quando o dia amanheceu.

Dormíamos em redes na lancha que navega a uma velocidade de 15 km por hora. A convivência foi ótima. Cerveja ainda contou histórias dos Piratas do Marajó, da qualidade dos palmitos, do óleo de patauá, da potencialidade dos produtos da Amazônia, dos botos, dos seus pileques e dos muitos e muitos rios do arquipélago. Ficou feliz quando liquei para ele, de Sâo Paulo, mandando um abraço."É bom a gente ser lembrado", respondeu emocionado